Viajar é voltar

Sempre há lugares aos que um volta, pode ser por que nos lembram quem somos e de onde vimos. Para nós um deles é San Miguel, um ejido dentro da selva chiapaneca, que forma parte da nossa historia e deste viagem.

Depois de visitar a aldeia infantil SOS do Comitan, Adelita sulco o planalto comiteca-tojolabal até chegar ao Altamirano, uma das cinco cabeceiras municipais pegadas pelos zapatistas no 1994, e onde o 21 de dezembro do ano anterior, milhares de indígenas engazupados voltaram a surpreender ao mundo, agora sem armas, no silencio, anunciando o acordar de uma nova era Maya.

Ao chegar à região tzeltal do Ocosingo, Adelita acelera tentando deixar atras as lembranças da única noite que foi ultrajada. A ladeira perde-se como sinal do que os altos da Chiapas ficaram atras. É hora da que a gravidade leve nos até a terra ch’ol.

Uma curva mais, a ultima, e já pomos ver os tetos da lamina das casas do San Miguel sobe o paisagem da grande selva. Ao passar pela flamante quadra do basket-ball, que de acordo ao governo costeou 4 milhões de pesos (só bobagens) os jogadores conhecem a combi do “gringo” e a noticia voa até a casa dos Ortiz.

Ali esperam-nós o Ruco, Crucita, a Xuxu (avó no ch’ol) e as crianças, “nossas crianças”, esse exercito do sorrisos que refazem-se constantemente, já que quando uns vão para adolescência, já há uns poucos bebes esperando na fila

Nem temos estacionado, Chai pula pela janela. Estamos em casa, de novo, antes de sair para Alaska.

As raízes
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A Beba e o Mihi visitaram San Miguel, pela primeira ocasião no 1996, pouco depois de dois anos do levantamento zapatista, mas eles eram muito pequenos para estimar o espirito da autonomia que crescia entre os campesinos. Daquela resistência só queda uma sinal despintada na estrada que diz: “aqui o povo manda e o governo obedece”.

Mas zapatista ou não a magia do San Miguel é outra. A descobrimos no calor que envolve a família Ortiz, e obrigado ao Martin, quem passou mais de vinte cinco anos em outra selva, uma de concreto, cuidando aos irmãos Mihit.

Há muito anos, quando ainda não era o Ruco, o destino levou Martin para o deserto do norte mexicano junto a Maria Luisa, “a tia Mary”, quem na sua juventude foi trabalhadora social no Chiapas. Uma historia inspiradora que merece um capitulo separado.

Desde aquele distante 1996, voltamos com freqüência, e mais ainda desde o 2007, quando o Ruco decidiu voltar a suas raízes. E muito mais ainda desde que Emma e Roberto mudaram-se ao San Cristobal das Casas.
Nestes ultimo anos, temos levado muitos viageiros à casa dos Ortiz, mexicanos, espanhóis, italianos, estadunidenses, finlandeses ou croatas, sempre são “gringos” para a gente do povo.

Um deles foi um argentino, que na sua primeira visita foi batizado como “Pato Che” pelos meninos que ficavam perto da sua violão, esperando a noite para que virasse vivo ao “Senhor Coco”.

E ainda quando muitos tem crescido e já não participam dos jogos, ainda tem essa essência pura, que é a mais grande inspiração deste sono.

Tempo de qualidade
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Temos certeza que esta vez passaria mais tempo antes de voltar, ao Pato Che lhe chega a idéia de levar as crianças ao rio. “Em Roberto Barrios é muito bonito” diz alguém lá, e antes de que termine a frase os meninos já correram a solicitar permissão.

Em menos de uma hora já estamos prontos. Passamos lista de assistência y quase todos ficam ali: Rosi, Yeni, Cristian, “Papi”, Rubi, Iris, Ingrid, Karina, Mildrett, Hugito (“Chico”) e Sandrita. Faltam alguns dos “grandes” e Erika que esta no Cancun com sua irmã.

Adelita está repleta e até o vocho do Mihi vai como carro sardinha. Miguel Ángel, cuja família é uma das poucas que continuam em resistência, conhece o caminho, já que pela zona há um caracol* zapatista.

Nem temos chegado ao rio e o Ruco já começa a dar medidas preventivas, mas é em vão, os meninos já arrancaram-se a camisa e tem meio corpo dentro da água cristalina. Só “Chico” o mais pequeno fica afora, baixo o cuidado da Adela e sua tia Kari.

Aos primeiros disparos da guerra da água, Chai fugi espavorida, em tanto que “Papi”, Manuel e Miguel Angel utilizam garrafas de plástico para pegar camarões e caranguejos, os quais serão parte da ceia. A tarde é perfeita.

Antes do que sol caia, subimos as crianças ao teto da Adelita para que enviem cumprimentos com motivo do dia dos meninos aos pequenos do Gran Rapids, Michigan pelo seu website do Radio Interferencia 810.

De volta, seus rostos dormidos deixam-nos um agridoce sabor, mas não temos certeza quando voltaremos para compartir outro dia magico como hoje.

Apenas desponta o sol da seguinte manha e Rosi “Papi” e Juanito já estão pedindo para Roberto que pendure a tela do árvore do tamarindos. O pátio da Maria virou se num cenário do show acrobático, em tanto Jose Andres, “Niño”, espalha o terror com a mascara do “Anonymous” que Pato Che trouxe de Londres.

A despedida
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Faz uns dias que Pato Che saiu para Villarhermosa, um pouco pelos motivos do viagem e muito para fugir da despedida, já que ainda da promessa de que nesta ocasião não teríamos lágrimas, o ambiente fica tenso. Nem o Ruco que é o mais forte e rabugento de todos, pode ocultar sua tristeza.

Ás furtadelas, Crucita prepara um altar com veladoras e flores silvestres, em tanto que Luisa sacrifica os perus para o caldo. As crianças chegam oferecendo laranjas, tamarindos e doces, em tanto que as mulheres empilham um morro de tortillas. Toda a família fica junta
Depois de dar um pouco para à Pachamama, o copinho do l’embal (licor da cana) beija boca trás boca

De repente, aparece Armando, o catequista do povo, quem também é o mais abastado, já que sua loja “El buen samaritano” é o Wal-Mart do ejido, más sem preços baixos, só estratosfericos.

Ainda quando o Ruco conhece nossa aversão, soube que nunca poderíamos despreciar o gesto da Xuxu, quem sentencia à Beba: “nesta ocasião, você vai benzer-se”. Até Roberto quem de forma aberta tem questionado à economia religiosa, senta-se respeitoso a escutar um ritual em ch’ol, que mistura o catolico com o indígena.

A gente reza em voz alta, mas com plegárias distintas que emaranham-se até o hipnotismo. Depois põem suas mãos sobe nossas cabeças e a energia penetra todos nossos sentidos.

Á hora de apertar as mãos, chovem beijos e lágrimas. A pureza com que imploram a deus que dei um bom caminho e a força com a que expulsam suas intenções ao universo, assemelham-se a um novo parto.

Alguns dizem que um soube que encontrou seu lugar no mundo quando já não pode abandona-lo, más pode que também seja isso quando um tem a certeza de que voltara.

O certo e que voltaremos e tentaremos que a Xuxu e o Ruco falem para nós sua épica historia da vida. E em alguns anos, quando esta travessia tenha chegado a seu fim, San Miguel voltara a ser o ponto da volta.

Já que se “viajar e voltar” como Gabriel Garcia Marquez escreveu, então nós soubemos muito bem há onde nos dirigimos.

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